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Clarisse Machanguana: “Desportistas devem reinventar-se”



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É uma referência obrigatória do desporto moçambicano, no geral, e basquetebol, em particular. É a única basquetebolista moçambicana que já evoluiu na WNBA, a maior liga feminina da modalidade da bola ao cesto do planeta, para além de ter jogado  em ligas da França, Espanha, Itália, Brasil e Coreia do Sul. Chama-se Clarisse Machanguana, a mais bem-sucedida basquetebolista moçambicana, actualmente patrona da fundação com o mesmo nome que intervém em áreas sociais. Em tempos de crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, Clarisse Machanguana diz que os desportistas nacionais devem reinventar-se.
Mais: Machanguana diz ainda ser importante, nesta fase, não entrar em pânico e procurar informação nos canais oficiais.

Como é que olha para o alarme que o alarme que a pandemia veio criar nas sociedades e mudou radicalmente a forma como o desporto, habitualmente, se praticava no mundo, no geral, e Moçambique, em particular?
É uma novidade. Acho que é um aprendizado para todos nós como seres humanos, independentemente de sermos desportistas ou não. É algo que nos choca. É algo que temos que aprender a conviver e, como atletas, impõe muitos desafios porque por norma o desporto é estar a competir contra outras pessoas, envolvendo fãs que querem alegrar-se com a beleza que é o desporto. E, naturalmente obriga as pessoas que gostam de desporto e são desportistas a assumirem uma nova disciplina que já devia estar na rotina do atleta mas se não estava começa a ter que ser que é organizar-se no dia-a-dia para fazer exercícios de uma maneira que seja responsável para o próximo e que também respeita a conduta física que se tem que apresentar quando a época começar ou continuar, dependendo daquilo que vão ser as  decisões. Então, é importante respeitar o seu próprio corpo, fazer uma corrida, não beber para aqueles que abusam do álcool, não fazer noitadas, portanto, uma regra que é aquela que é a conduta normal de um atleta mas que agora exige uma disciplina maior porque agora não há o treino colectivo mas há o orgulho pessoal, o orgulho de estar em boa forma, orgulho de se tratar bem e que também perante tantos desafios e imprevistos que, se calhar, é não ter salário ou menor do aquilo que estava previsto é ter a mente sã. Ter mente sã em que pode começar a desafiar a si mesmo, pensar no seu futuro depois do desporto, o que vai fazer e como é que se prepara para chegar lá e como é que retribui a sociedade. Nós todos os dias entramos no campo, temos pessoas que nos aplaudem, temos pessoas que investem no dia a dia e como é que depois podemos retribuir a sociedade no nosso país aquilo que foi investido em nós.  Pode não ser material. Existe muito casamento entre um atleta, a sociedade e o país e o vestir a camisola ou cores da nossa bandeira. Eu acho que é o momento de reflexão obrigatória que é pontual e que obriga que a pessoa reflicta sobre a sua própria carreira. Eu sei que é difícil, mas é a necessidade do momento.

Tocou num ponto muito interessante? falou de ter a mente sã que é um grande desafio neste contexto em que a socialização inerente ao desporto foi colocada em causa. Como garantir esta construção de uma mente sã neste confinamento a que estão sujeitos os desportistas?
Acima de tudo, é importante não entrar em pânico. Não há nada que nós, individualmente como pessoas não estudadas na matéria de medicina, possamos fazer para acelerar a resolução deste problema. Portanto, entrar em pânico não resolve nada. Então, uma mente sã é aquela que é consciente daquilo que lhe rodeia, da situação que tem e que pode ver gradualmente quais são os elementos que pode melhorar para si mesmo e para a comunidade onde vive. E, nisto tudo, está evitar hábitos que nos auto-destrõem como pode ser o excesso de álcool, excesso da comida, enfim, tudo que faça mal. Preparar-se de maneira sã é ler um livro, ouvir notícias que sejam positivas, gozar um momento positivo com a própria família e colocar-se numa posição que não crie desvantagens quando tudo voltar à normalidade. Ou então, assumir que esta situação prolongar-se mais para além do que todos queríamos. Então, a pergunta é? como é que vivemos dentro desta realidade? O pânico não resolve. A apatia também não. Temos que encontrar uma balança no meio que como é nos perguntamos como é que vamos continuar a viver. As primeiras coisas a acariciar são as pessoas que nós amamos. Este problema vem reforçar a alegria de um beijo de um marido, uma mulher, filho, ou seja, estarmos a gozar os momentos. Invetarmos os jogos que já não fazíamos porque estamos a correr para o serviço e os mil objectivos que temos. Este vírus é um bocadinho uma realidade de que a vida não é aquilo que nós planeámos. A vida é o que nos acontece no meio dos nossos planos.  Portanto, eu tinha um plano de criar uma fundação de sucesso e, neste momento a minha fundação, por exemplo, envolve mobilizar pessoas e persuadir a comportamentos saudáveis. Neste momento, não posso fazer. O que eu faço no meio disto? Então, é uma reivenção que na verdade é paralela a aquilo que o mundo nos está a levar que é conviver com a tecnologia, conviver com as redes sociais, conviver com o mundo digital. Então, de uma maneira incaracterística estamos a ser forçados a reinventar-nos e, em vez de lutarmos e desafiar algo que não está no nosso controle, é abraçar e identificar as realidades que estão nesta crise e situação e se calhar deixar de definir como crise.  Neste momento, é a bola onde nós estamos inseridos e como é que convivemos e vamos para frente porque não temos o controle de quando tempo ela vai existir, como nos vai afectar, como será a economia depois disso e como será a vida dos nossos filhos. É um ajustar dia por dia. E, na verdade, a vida é isso. Eu não sei o que vai ser o amanhã. Se calhar nem chego lá. Como é que eu gozo o dia de hoje da melhor maneira?

“É preciso identificar aquilo que é verdadeiro e o que não é”
Clarisse Machanguana faz um convite à reivenção dos desportistas. Considerando que eles precisam também de adoptar uma nova postura de prática dos exercícios físicos, qual é a reivenção que consegue contemplar neste novo cenário?
Bom, a primeira que foi referida que é de fazer exercícios e respeitar o corpo fazendo actividades que nos são saudáveis mesmo dentro do confinamento ou então tentar fazer em horas não habituais. Se calhar, a pessoa estava habituada a fazer às 9h00 mas pode ser às 5h00 quando há menos pessoas e há ar fresco. Para mim, a outra maneira de se reinventar é traçar os objectivos que eu tenho na vida. Tenho um momento em que sou obrigada a estar em sítios confinada, em casa, numa palhota ou onde quer que seja, eu vou começar a restruturar mentalmente como é que eu me vou reinventar, quais são os elementos fundamentais com que posso contar. Começo a fazer uma definição daquilo que eu quero ser daqui há dois meses ou um ano. É uma construção da minha nova pessoa ou da minha adaptação à nova realidade. É claro que são desafios que podem não se adequar a muitas condições económicas, mas se for esta a nova realidade daqui para frente é aquilo com que temos que viver. Não é para diminuir a importância e a seriedade que este vírus afecta a nossa vida mas também para aprendermos a reajustarmo-nos na nova realidade, na nova dificuldade, na nova bolha que tanto lutamos. Nós seres humanos somos engraçados. Antes disto, muitos de nós lutamos para ter uma semana de pausa. Agora, temos três, cinco ou dez semanas de pausa forçada e não sabemos o que fazer. É um momento, como dizia, para redefinirmos e entendermos qual é o nosso potencial para fazermos as melhores coisas dentro desta realidade. Não é fazer fora daquilo que é a minha condição económica ou realidade do país mas dentro da minha realidade económica, social, desportiva e humana. Quem posso ser eu dentro desta realidade ou confusão? É um desafio a minha pessoa individual que depois tem que se inserir no mundo da nova realidade.
Para além de ser uma grande referência do basquetebol feminino ao nível nacional e mundial por ter chegado à  WNBA,  maior liga de basquetebol do mundo, Clarisse Machanguana é também uma activista social pois dirige uma  fundação que actua mesmo em áreas sociais. Mesmo para terminar, uma mensagem não apenas para os desportistas mas para a sociedade em geral para que os moçambicanos possam captar e perceber que é também um momento de oportunidades…
Acima de tudo, gostava de dizer ao nosso amigo, irmão e irmã moçambicano, que não está sozinho. Estamos todos nesta realidade e, acima de tudo, nós vamos entrar em pânico. Gostava também de deixar um alerta, um convite para que sejamos cautos a aceitar todas realidades que são enviadas nas redes sociais, nos whatsups, a identificar aquilo que é verdadeiro e o que não é. É preciso identificar os canais formais que dão esta informação e acho que é um bom momento para nós abraçarmos de maneira digital, entendermos que tudo que nos acontece passa e o tempo que leva nem sempre está ao nosso controle. Por isso, vamos agradecer por ainda estarmos vivos. Vamos agradecer por podermos respirar e estar entre gente maravilhosa que somos nós moçambicanos. Paciência, muita calma e vamos passar disto porque já passamos por muitos desafios. Não acho que seja este que nos vai derrotar a todos.

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